A tecnologia na pandemia: as quarentenas não são mais as mesmas
A tecnologia da quarentena é utilizada desde tempos bíblicos para contenção da proliferação de doenças, como a lepra e outras pragas da antiguidade; foi usada e melhorada durante os surtos de Peste Negra, e na Itália do século XIV recebeu seu famigerado nome.
Há registros de que em Milão, durante um surto de Peste Negra, as autoridades chegaram a designar indivíduos para vigiar as casas em quarentena, para que os quarentenários, doentes ou sadios, vivos ou mortos, permanecessem em casa, mesmo que fosse para perecerem de fome ou pela doença. Por mais extrema que pareça esta medida, foi eficaz no combate à proliferação da doença, tornando Milão uma das cidades menos atingidas pela peste.
No nosso terceiro milênio, as consequências extremas da quarentena, tal como ocorreram durante a Idade Média, podem ser atenuadas unicamente devido à existência das tecnologias atuais e da internet.
Hermit tech
As tecnologias que nos têm ajudado a trabalhar de casa, nos distrair em casa e interagir com os outras pessoas mesmo que estejam longe já está sendo chamada de hermit tech (tecnologia para eremitas).
É possível trabalhar de casa, caso só seja necessária a internet para realização das tarefas, com o apoio de ferramentas como Slack ou Microsoft Office. Também é possível realizar videoconferências com os colegas de trabalho e com o chefe, usando o Zoom ou Google Hangouts e Meet. As ferramentas de videoconferência também podem ser usadas para socializar com amigos. As refeições podem ser encomendadas por meio dos aplicativos de entrega, como o iFood, e chegam bem na porta de casa. Além disso, é realidade há alguns anos que qualquer coisa pode ser comprada pela internet e entregue diretamente em casa, sem a menor necessidade de locomoção do comprador - a Amazon tornou isso possível. E talvez nem caiba falar das outras plataformas de streaming de entretenimento que já eram utilizadas antes da pandemia - Netflix nos tornou eremitas antes da pandemia.
Sem percebermos, o uso de cartões de crédito em compras online, tão comum atualmente, também auxilia não só na comodidade de quem está em quarentena, como também ajuda a combater o vírus, reduzindo o uso de dinheiro, que pode carregar o vírus por até 17 dias.
Nada disso era sequer uma possibilidade na Idade Média.
Vigilância
Enquanto algumas tecnologias ajudam as pessoas a permanecerem relativamente confortáveis na quarentena, outras cumprem o papel dos indivíduos que vigiavam os quarentenários: drones são usados para repreender pessoas por estarem passeando sem máscaras em Wuhan; a geolocalização dos telefones móveis têm sido usada para monitorar se a quarentena está sendo cumprida em diversos países, de Israel a Taiwan; Hong Kong monitora a localização de novos entrantes no país com pulseiras.
A linha de frente de combate ao vírus
Já outro grupo de tecnologias atua no desenvolvimento de vacinas ou medicamentos de combate ao vírus. O código genético do Covid-19 já foi mapeado, o que contribui para o avanço do desenvolvimento de uma vacina; medicamentos antivirais em uso contra outras doenças estão sendo testados para tratamento de pessoas com Covid-19; além disso, a própria quarentena é uma tecnologia de combate ao vírus, recomendada sempre que uma epidemia explode.
Prós e contras
As hermit techs ajudam a tornar a quarentena mais agradável e incentivar as pessoas a permanecerem em casa, mas nos chamam a atenção para os problemas mentais e emocionais, tais como depressão, ansiedade e obsessão, que podem surgir a partir de seu uso. Além disso, outro debate que tem passado despercebido é o de que a hermit tech serve apenas a quem pode pagar por ela: a maioria dos serviços que permitem que alguém fique em casa, como as entregas, por exemplo, são realizados por alguém que não pode ficar em casa. Por outro lado, aponta-se que as redes sociais estão sendo finalmente usadas para socializar realmente.
As tecnologias usadas para monitoramento das pessoas em quarentena podem deter a proliferação do vírus, mas mostram-se ameaças à privacidade das informações pessoais dos indivíduos: questiona-se sobre os usos que os governos fazem desses dados, sobre seu armazenamento, ou se essas tecnologias continuarão a ser usadas após a pandemia.
O conhecimento que tem sido aplicado no esforço para o desenvolvimento de novos remédios e de uma vacina para o coronavírus talvez não encontre ressalvas, já que é a frente que ataca diretamente a existência da doença e o tratamento eficaz dos indivíduos infectados. No entanto, a quarentena, que é uma medida de combate à proliferação da infecção pelo vírus, acabou exigindo o uso das tecnologias de isolamento e vigilância, que por sua vez, geraram outros problemas.
Como será o futuro?
As tecnologias que estão sendo usadas no combate ao novo coronavírus, seja em qual frente estejam, têm seus prós e contras. Cabe a análise sobre a situação, já que é a primeira vez que passamos por uma pandemia com os recursos de que agora dispomos. Em geral, pensamos que com novos problemas, vêm novas soluções, mas o que observamos durante a pandemia do Covid-19, é que as soluções que um problema gerou criaram também novos problemas, cujas soluções só virão quando estes problemas forem grandes demais para serem ignorados.